Numa daquelas datas que só o MdM é capaz de
comemorar com você, mês passado o primeiro super-herói do mundo completou
74 anos. Pra mim, uma ótima ocasião para nos perguntarmos:
quem é o Superman?
Mas, já aviso de cara: eu estou considerando apenas o Superman
pré-relauch para este ensaio, ouviram?
[Mais:]
É comum a gente ouvir das pessoas, ou ler pelos
facebruiks e congêneres, o quanto
o Superman é um personagem chato. Alguns hão de criticá-lo por sua
extrema bondade, outros, por seus
dons extremados, que supostamente o tornariam um personagem difícil de escrever, por ser difícil lhe
arranjar desafios a altura.
E não só entre leitores de quadrinhos ou audiências de desenho animado não - esse tipo de pensamento é comum mesmo entre
roteiristas
e pessoas do meio da indústria. Aí você pergunta: esses caras estão
certos? Você pode pensar que sim, eles estão. Mas para isso precisa ser
muito raso na sua análise. Muito raso mesmo...

O
maior herói do mundo? O
maior escoteiro da Terra, de Krypton e
regiões metropolitanas de ambos? Um personagem
chato, defasado, que não diz mais nada aos leitores contemporâneos? Na minha opinião,
sim, talvez e não.
Veja bem, erroneamente, muita gente pode dizer que
Joe Shuster e
Jerry Siegel beberam no conceito do
Übermesch de
Nietzsche, para criar o Super, mas eu particularmente penso que, além desta comparação ser feita
a posteriori e se tratar apenas de uma
vaga possibilidade (quando criaram o Último filho de Krypton, Siegel e Shuster eram dois
adolescentes, no meio do
pós-Crack da Bolsa
- é bem possível que não tivessem acesso a um material desse tipo), as
encarnações mais emblemáticas do Superman são justamente aquelas que
renegam seu papel como alguém
além do humano, mas como um
humano que pode mais do que os outros e, portanto, tem
mais responsabilidades do que eles (sim, como num certo aracnídeo).

Pense, por exemplo, em
O Reino do Amanhã (
Kingdom Come), de
Mark Waid e
Alex Ross. Personagem principal da
graphic novel, Kal El é o tempo todo confrontado com essa sua responsabilidade como
"homem que pode mais" - quando ele
se exime
desse papel (abandonando-o), as coisas dão errado (com o advento dos
meta-humanos - pretensos "heróis" - e suas irresponsabilidades) e,
quando ele
transcende esse papel de humano mais capaz e assume um posto quase
divino (com sua Liga da Justiça e seu campo de concentração, digo,
Gulag) as coisas também dão errado. O que o reverendo
Norman McCay retoma, convoca o olhar do leitor (e do próprio Super) a perceber é que, o
"homem" no nome do herói não é um enfeite: é um
imperativo.

É esse também o ponto que
Mark Millar coloca em
A Foice e o Martelo (
Superman: Red Son) - ainda que num modo quase
deus ex machina, é que o maior filho da União Soviética acaba derrotado, por um mero humano, justamente por esquecer-se que deveria ser
também humano. Ao contrário do que possa parecer, a maior fraqueza do Superman
não é a kryptonita, não é a sua parte homem: é um
enaltecimento exagerado de sua parte "Super" que pode derrotá-lo. Não atoa, o
Superboy Prime é um vilão (ruim, mas ainda um vilão) justamente por se julgar
apenas super.

Claro, eu não estou querendo dizer que o Superman ideal é
humano, demasiado humano. O Superman precisa também ser um
ícone, uma figura mítica conforme lhe diz, com bastante
gravidade, o
Batman durante os prelúdios para a
Crise Infinita. Não só por seus poderes, suas capacidades, mas por sua
solidez moral (sua humanidade?), é dado ao Superman o papel de
liderar os heróis da Terra
- isso está lá em Reino do Amanhã e em tantas outras histórias, mas um
dos exercícios mais interessantes sobre esse papel do Super está no
Elseworld da Liga da Justiça chamado
O prego (
JLA: The Nail). Escrito (e desenhado) por
Alan Davis, nele lança-se uma pergunta bastante simples: o que aconteceria se um prego furasse o pneu da caminhonete dos Kent e os
impedisse de alcançar um certo foguete? Davis não comete a tolice de dizer que sem um Superman o
UDC não existiria, o que ele afirma é que, pela falta do Escoteirão, as coisas seriam diferentes a ponto de quase imperar o
caos - e, tendendo a
homeostase, o próprio universo daria um jeito de
"gerar" um Superman para acertar as coisas.

Não sou a primeira pessoa a dizer que há uma relação estreita, arquetípica, entre o
Superman e Jesus Cristo. O alter-ego de Clark Kent também é
muito maior que os humanos para andar tranquilamente entre eles (outra vez,
Mark Waid e
Fabian Nicieza, numa história chamada
Renasce a Liga - aqui publicada em
Os Melhores do Mundo #2 -
Ed. Abril - colocaram a questão do Super sempre ter de
se conter
para andar entre os homens - ideia que também apareceu na animação da
Liga) e, ao mesmo tempo, o Super-Homem ainda é muito "homem" para
pairar
sobre a humanidade. Sem o
drama da condenação, o Superman tem lá um quê de
Prometeu, por também intermediar os homens e os deuses (mesmo sendo, ele próprio, um "deus").

Entretanto, o tempo todo precisa ser lembrado de seu
papel dual,
totalmente homem e totalmente deus, e colocar-se no mundo tendo isso como princípio. É o que apresenta
Elliot Maggin na história
Precisa haver um Superman?, de 1972 (aqui publicada no volume #1 da
Coleção DC 70 anos, da Panini): ao Super não é permitido assumir todos os problemas da humanidade (sobre o risco de
aleijá-la)
e nem pode deixá-la à própria sorte, pois nem tudo os homens tem poder
para resolver. Uma das histórias que tinha um imenso potencial
justamente por abordar esse tema (e foi completamente abandonado,
culminando numa história horrível e totalmente sem pé nem cabeça) era
Pelo Amanhã, do
Brian Azzarello
(com desenhos do Jim Lee): até que ponto a intervenção do Superman pode
(e deve) se fazer presente? Basta recolher as armas dos dois lados de
um conflito étnico para que esse conflito deixe de existir? Basta levar
sacos e mais sacos de alimento para as
favelas do Rio ou a
savana africana (
Superman: Paz na Terra, de
Paul Dini e
Alex Ross)? Ou essa é a resposta divina e, justamente por isso é uma
resposta temporária, passageira, paliativa? O Superman exclusivamente divino, totalmente Super, quando não é
ditatorial (A Foice e o Martelo) acaba sendo mero
paliativo!

Para mim, aqui se encerra o
grande drama do Superman: como não ser paliativo sem ser passivo? Como ser ativo sem tolher por completo a humanidade, governando-a?
E sabe o que eu acho? Que dúvidas como estas já são o suficiente para
anular completamente
qualquer noção, besta, de que o Superman não passa de um escoteiro
chato, sem qualquer conflito moral, ou um personagem poderoso demais,
sem um drama que sirva para gerar uma história em quadrinhos de
qualidade nos
anos 2000.
Todos nós podemos ser o Superman. Com internet, informação, redes sociais e todas essas coisas que nós (privilegiados por conta disso) temos acesso,
fazemos tudo o que podemos pelo mundo?
Aparentemente, Kal El veio de Krypton simplesmente para mostrar que
grandes poderes não nos permitem (nem bastam para) resolver todos os
problemas, mas ao mesmo tempo, eles nos obrigam a tentar algo -
a medida desse "algo" é que muda tudo...
Se você sacou a ideia, pode soltar um sonoro
"Grande Escócia!" e dar uma relida no maior herói do mundo. Pode confiar, vai ser uma leitura
diferente do que você estava acostumado, e muito mais humana (e humanizante) do que disseram por aí que seria...
Criado por: Poderoso Porco Fonte: http://www.interney.net/blogs/melhoresdomundo/
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